Seqüestro no Cone Sul
A assembléia reage

Concomitan temente, na área parlamentar já começava a registrar-se um crescente inconformismo da parte dos deputados da oposição com relação aos métodos que estavam sendo postos em prática pêlos organismos de segurança. Evidenciavam-se, de forma despudorada, as tentativas de abafar o escândalo que corroía a moral de um de seus departamentos. Tais procedimentos, na medida em que se repetiam, acabaram por repercutir negativamente inclusive na opinião pública.

Por isso, já há tempos o Deputado Waldir Walter, assim como Lélio Sousa e Romildo Bolzan, se manifestara no sentido de que fosse instituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito, sobretudo por estarem nitidamente configurados a violação de nossa soberania e o aviltamento da ordem jurídica nacional.

Outra circunstancia que causava indignação era a deliberada omissão do Itamarati c as inócuas comunicações do Ministério da Justiça, as quais se dividiam entre evasivas e a negação dos fatos.

Também nesse sentido eu atuara em várias reuniões com os parlamentares oposicionistas e em algumas com o Senador Paulo Brossard, tendo ajustado a elaboração de um relatório documental que serviria para exame e provável pedido de CPI no Senado. Os fatos, todavia, apontavam a necessidade de providências em termos estaduais.

O Governo do Estado não aceitara a proposição de uma Comissão de Alto Nível, numa atitude que considerei um erro de Guazelli, desde que um precedente anterior já ratificava como constitucional essa medida. Em vista disso, a CPI constituía a única alternativa viável para os políticos, que desejavam eliminar as tramas decorrentes do inadequado encaminhamento das investigações preliminares, bem como de suas sequelas. E, além da violação dos direitos e garantias individuais, os fatos estavam contribuindo para a crescente deterioração da imagem do Brasil.

Entendiam os deputados que a CPI carrearia novos elementos e subsídios para, se fosse o caso, aditar a denúncia.

O requerimento para instauração da investigação a nível parlamentar foi subscrito por vinte e seis deputados da oposição, sendo já acompanhado da indicação dos representantes da bancada -- Nivaldo Soares, Ivo Mainardi, Carlos Augusto de Souza e Romildo Bolzan.

Pela ARENA foram indicados os deputados Romeu Martinelli, Jarbas Lima e Cícero Viana, este último ex-delegado e ex-chefe de polícia do Estado.

De início, o partido governista considerava não dever oficializar a CPI, deixando de participar dela e argumentando que, por existir pro- cesso criminal, a investigação parlamentar constituiria procedimento paralelo.

Semelhante raciocínio carecia de total fundamento, uma vez que a finalidade da Comissão, e isto ficara claro, seria encontrar novos elementos e enviá-los ao Poder Judiciário como subsídio. E, de fato, impunha-se a continuidade dos debates em termos políticos, uma vez que a Justiça, pelas limitações próprias de seus procedimentos recatados, não poderia participar dos debates diários na arena dos acontecimentos.

Diante da formalização das tarefas investigatórias do Parlamento gaúcho, o Cel. Moacir Coelho, Diretor do Departamento de Polícia Federal classificava o caso como "uma grande exploração política", enfatizando que Lilian e Universindo haviam saído "espontaneamente do País" e considerava o inquérito realizado pela Polícia Federal como um dos mais sérios.

O Deputado Cícero Viana (ARENA) não ficava atrás, e assegurava:

-- Polícia não sequestra.

Romeu Martinelli (ARENA) exigia que as averiguações se estendessem também aos antecedentes de Lilian e Universindo, e farisaicamente concluía pela afirmação de que o caso deveria ser examinado em toda a sua profundidade,

- Doa a quem doer.

A fim de acompanhar a instalação da CPI, a Associação dos Juizes Democráticos da Itália enviou a Porto Alegre o magistrado Luiggi Sarraceni, que tinha também o objetivo de viajar ao Uruguai para entrevistarse com as autoridades daquele País e, se possível, visitar Lilian Celiberti.

Por indicação de seu Presidente, o Deputado Nivaldo Soares (MDB), a Comissão deveria instalar-se em 24 de março de 1979, data que foi precedida por uma semana tensa.

No ato, o ambiente estava carregado. Além do Presidente e dos membros da Comissão, faziam-se presentes o jurista italiano; o advogado Marcus Melzer, representando a OAB; os líderes de bancada; grande número de assistentes e de representantes dos mais diversos órgãos de imprensa, do Estado e de outras unidades da Federação. Participei na qualidade de advogado das vítimas.

De início, falaram Giacomazzi, Presidente da Casa, e Nivaldo Soares, responsável pela Comissão. Tal como se esperava, ao final ocorreu um incidente de relativa gravidade, pois Jarbas Lima e Romeu Martinelli afirmaram que a Ordem dos Advogados estava sendo usada com finalidade política, acusação a que prontamente respondeu Marcus Melzer. E tudo terminou em discussão acalorada e tumulto.

As ofensas endereçadas pêlos deputados arenistas à Ordem dos Advogados, que chegaram a acusar de facciosas as averiguações realizadas pela entidade, foram de imediato rebatidas por nota oficial assinada pelo Presidente da Secção gaúcha, Justino Vasconcelos. Ao fim, a nota referia que a opinião pública do País vinha reclamando uma cabal investigação dos fatos delituosos, motivo por que a OAB não se arredaria de seus deveres legais, mas -- invariavelmente fora e acima das labaredas acesas pelas paixões -- saberia manter-se isenta e altaneira na pregação do Estado de Direito.

Examinadas como um todo, as posições assumidas pêlos deputados da ARENA eram paradoxais e absurdas, uma vez que nunca, em situações anteriores, se haviam manifestado quanto ao comprometimento, e à escamoteação dos procedimentos policiais, órgãos, sob todos os aspectos, suspeitos. E agora, por facciosismo político, só sabiam acusar a CPI de falta de finalidade e a Ordem dos Advogados de desvio de suas funções. Em última análise, adotando os mesmos processos da polícia, foram os substitutos do maquiavelismo desta nas providências que solicitaram. A primeira consistia numa ampla e detalhada investigação sobre a idoneidade das testemunhas; a outra, na busca, pêlos meios oficiais, de informações "insuspeitas" sobre os antecedentes de Lilian e Uníversindo no Uruguai.

Tal como agira a Polícia, os deputados da ARENA insistiam em comprometer os personagens principais e, progressivamente, de tumulto em tumulto, aspiravam, como objetivo final, ao descrédito da Comissão.

Tanto era assim, que Cícero Viana a acusou de fruto de "palhaçada e politicagem".

Desta forma, a CPI que se iniciara com debates e confrontos, em breve se tornaria uma guerra aberta e total, envolvendo deputados, advogados e testemunhas.

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Este libro ha sido editado en Internet el 01sep02 por el Equipo Nizkor y Derechos Human Rights