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A fim de evitar que advogados, parlamentares e jornalistas tivessem acesso aos autos da sindicância, a Secretaria de Segurança classificava o expediente como matéria sigilosa. E, explicava o próprio Secretario, que as informações, se divulgadas, poderiam até comprometer a Segurança Nacional.
Como desejávamos compulsar tanto o inquérito da Polícia Federal como a sindicância elaborada pelo DOPS, tão logo os expedientes foram encaminhados â Justiça Federal para lá me dirigi, acompanhado dos conselheiros da OAB, Rovílio Breda e Nereu Lima, certo de que teríamos acesso aos outros, numa oportunidade que aguardávamos com visível ansiedade.
Contudo, em razão da manutenção do sigilo, nada foi possível nesse sentido.
Um dia depois, 25 de janeiro, o Secretário Moura Jardim esclarecia que a sindicância nada tinha que pudesse afetar a Segurança Nacional, mas apenas algumas peças consideradas confidenciais, que foram imediatamente excluídas dos autos.
Tal manipulação dos documentos foi assim comentada pelo Senador Paulo Brossard:
"A mais espantosa novidade, após esta história de inquérito sigiloso é a subtraçao da sindicância de elementos constitutivos do processo; isto quer dizer que o processo foi mutilado e não se sabe em que medida se operou a mutilação. Mas de qualquer sorte foi mutilado. E processo mutilado não é processo."
Seja para cumprimento de diligências, seja para desentranhamento de peças sígilosas, os expedientes retornaram às suas repartições de origem. Sem outro caminho a seguir, a Ordem dos Advogados deliberou encaminhar representação criminal ao Ministério Público, com base no pressuposto de que lhe competia defender a ordem jurídica e a Constituição da República, pugnar pela boa aplicação da lei e rápida administração da Justiça e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas, incumbências impostas pela lei, como dever inarredável a qualquer advogado.
A Procuradoria da Justiça Federal havia solicitado a baixa dos autos, a fim de que deles se excluíssem as peças consideradas sigilosas.
Werner Becker - advogado de Luís Cláudio e Scalco - afirmou à imprensa, com relação a isso, que a solicitação de retirada dos documentos teria o objetivo de resguardar a idoneidade dos jornalistas e testemunhas, uma vez que a Justiça Federal entendia que tal exclusão indicaria uma reversão de expectativa, no sentido de que, caso não fossem extraídos os documentos, as testemunhas passariam a figurar como réus.
Tal acontecimento deixava claro que, setenta e quatro dias após o seqüestro, a Polícia Estadual havia orientado a investigação com a nítida intenção de transformar os denunciantes em denunciados. A continuar dessa forma, em breve o Luís Cláudio, o Scalco, eu e até o próprio Werner Becker poderíamos posar como réus. Sim, porque, numa espécie de processo kafkiano, os responsáveis pela sua condução inacreditavelmente inverteram sua finalidade, numa manobra que acabaria caindo no absurdo.
Werner, todavia, reafirmava que, do ponto de vista jurídico, uma sindicância administrativa sempre foi feita para apurar atividades ilícitas de funcionários. E que, em vista disso, a sindicância da Secretaria de Segurança era nula pelo simples fato de que fora conduzida com o sentido de apurar a vida pregressa dos jornalistas e advogados. E concluía:
"Os documentos e depoimentos em nada contribuem na busca da verdade sobre os policiais do DOPS que estão envolvidos."
Após o exame do inquérito, Werner Becker acabou concluindo pela existência de uma estreita relação entre a Polícia uruguaia e a gaúchá, em vista de constar nos autos uma foto de Universindo seguramente remetida pela Polícia uruguaia.
Em sequência, os autos baixaram para o Conselho Superior de Polícia, cuja presidência eslava afeta ao Superintendente dos Serviços Policiais, Leònidas da Silva Reis. Mudaram de mãos, mas continuaram em família, visto que no DOPS a sindicância havia sido presidida pelo irmão Marco Aurélio.
Era esse o estado de coisas quando um fato surpreendente se configurou com deplorável gravidade. Tão fora do comum se apresentava, sob todos os aspectos, que custava crer que fosse verdadeiro. Vejamo-lo.
A primeira reunião do Conselho, para apreciação do assunto, realizou-se em 31 de janeiro de 1979. Estranhamente, como logo observa-ram os jornalistas, estava ausente, nada mais nada menos do que o Relator da Sindicância, Renato Maciel de Sá Jr.. que fora Delegado do DOPS, mas que, na época, apenas como advogado, era o único não-policial no Conselho de Polícia.
Não havia como justificar a ausência do Relator, uma vez que constituíam incumbência sua a direçao dos trabalhos e as determinações de providências para atendimento do que fora requisitado pela Procuradoria da Justiça Federal.
Mas a justificativa não se fez esperar. De acordo com Sílvio Alfonsin, do Departamento de Relações Públicas da Secretaria, o Relator Renato de Sá Jr. "tinha estudado a sindicância e havia determinado novas investigações para que pudesse checar a uma conclusão".
Até aí, tudo muito bem. Deviam-se aguardar as tais investigações .. .
Mas enquanto armazenávamos paciéncia para esperar o que estava por vir, um inesperado acontecimento veio pôr em polvorosa toda a cúpula da Polícia gaúcha.
O radialista Telmo Tartarotti, apresentador do programa "Opinião Pública", da Rádio Farroupilha, - tendo localizado o Dr. Renato Maciel de Sá Jr. num hotel de São Paulo - entrevistou-o, obtendo dele declarações que denunciaram notáveis contradições no desempenho burocrático da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul. O Relator declarou que soubera de sua nomeação através da imprensa. Reafirmo: o Relator tomou conhecimento de sua nomeação pêlos jornais.
Em consequência, a escolha tinha sido totalmente irregular, ficando claras as anormalidades que estavam viciando a condução do inquérito.
Essas circunstâncias, como não poderia deixar de ser, vieram à tona por ocasião de entrevista coletiva dada pelo Secretário Moura Jardim, a qual se encerrou de forma intempestiva, quando Sua Excelência, visivelmente irritado, embarafustou rápida e providencialmente pêlos corredores da Secretaria repetindo evasivamente:
-- Não tenho mais nada a declarar! Não tenho mais nada a declarar! Não tenho mais nada . . . Não tenho . . .
Quando se comprovou que Renato de Sá Jr. não solicitara qualquer medida, o líder da Oposição, Deputado César Schirmer, emitiu nota à imprensa afirmando que alguém estava mentindo e, certamente, não era aquele que, longe do Estado, fora surpreendido pela informação de ser o Relator da sindicância. E, aludindo à dívida de honra contraída pelo Governador, Schirmer perguntava:
-- Afinal, quem governa o Rio Grande?
A autoridade estadual -- comprovavam-no fatos por demais concretos -- estava sendo exaurida pelas manobras do arbítrio e pêlos expedientes protelatórios daqueles que pretendiam sonegar elementos que pusessem em risco a própria impunidade.
E, por falar em honra, eu acrescentava:
-- A honra do Rio Grande está acompanhando o Relator Renato de Sá Jr. Está de férias, uma versão guasca das vacaciones uruguaias.
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