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O Comunicado Nº 1401 do Escritório de Imprensa das Forças Conjuntas, em 1º de dezembro de 1978, noticiara que Lilian Elvira Celiberti Rosas de Casariego, seus dois filhos menores e Universindo Rodrigues Diaz haviam ingressado no Uruguai pela região de Aceguá, tendo sido presos quando se realizava um controle "rotineiro" em dois veículos. Acrescentava que o condutor de um dos carros tugira, abandonando as crianças, e que no outro foram encontradas armas e material sedicioso.
Um mós depois, exatamente em 2 de janeiro, a Coordenadoria Regional da Polícia Federal recebia de Brasília, do Departamento Federal, comunicação informando que os uruguaios portavam documentos falsos. Na carteira de identidade de Lilian constava o nome de Laura Elena Castro Ruiz; na de Universindo, Humberto Romero Duran; na de Francesca, Elisa Romero Castro; na de Camilo, Rubem Romero Castro. Essa comunicação foi juntada, na mesma data, às folhas 145 do inquérito policial.
Em 5 de janeiro, o Departamento de Polícia Federal de Bagé remeteu a seus superiores de Porto Alegre um radiograma que comunicava que o motorista de táxi Adil Machado lanzer transportara o casal e as crianças à rodoviária, a fim de embarcarem no ònibus da empresa Eima. E que, mais tarde, lanzer reconhecera a mulher através das fotos publicadas pêlos jornais, quando se inteirou do caso, motivo por que, em sua opinião, "a história dos jornais era mentira".
Essa noticia só foi conhecida em 18 de janeiro, um dia depois da entrevista de Guazelli. Ao publicá-la em primeira mão, o "Jornal do Brasil" comentava que, em vista de tal testemunho, tornava-se mais importante o depoimento de Lilian e Universindo, já solicitado às autoridades uruguaias mediante carta rogatória.
Em princípio, o texto das declarações do motorista lanzer não podia ser questionado "a priori". Afirmava que não tinha dúvidas tratar-se da mesma pessoa, por ter reparado "ser uma mulher bonita e de olhos grandes". E acrescentava que cm nenhum momento havia acreditado na história do seqüestro, "pois havia conduzido o casal e as duas crianças, que andavam sem qualquer escolta e parecia terem embarcado para o Uruguai de livre e espontânea vontade" Em seu depoimento, lanzer afirmara ter encontrado, naquele dia, o proprietário da empresa Lima a quem comentara que tinha passageiros para Melo. Mais tarde, quando ouvido, Lima não referiu essa circunstância, mas apenas, com relação a lanzer, disse que o considerava pessoa idónea, não havendo razões para que dissesse inverdades.
Em 8 de dezembro, o Delegado Fucks determinara ajuntada, aos autos, da lista de passageiros da Empresa Lima e solicitara a tomada de depoimento do motorista e do cobrador responsáveis pelo veículo que fizera o trajeto Bagé-Melo. A lista comprovava que, em 21 de novembro, haviam viajado no ónibus as seguintes pessoas: Humberto Romero Duran, Laura Helena Castro Ruiz. Rubem Romero Castro e Elisa Romero Castro.
Ao cobrador. Patrocínio Lugo Acosta, foram exibidas as fotografias do casal e das crianças, e ele disse ter reconhecido a todos, pois tratava-se de pessoas que "transportou em data que não recordava."
Admitindo como verdadeiras as afirmações do cobrador, a Polícia demonstrava sua falta de critério e o uso de dois pesos e duas medidas, uma vez que, quando do reconhecimento de Seelig por Camilo, levantava toda espécie de dúvidas possíveis.
Não haviam transcorrido, porém, dois dias e o cobrador começou a se contradizer. Enquanto tinha afirmado à Polícia Federal que as pessoas em questão viajaram juntas nos primeiros bancos do ónibus, declarou à "Zero Hora" que a mulher e as crianças ficaram no meio do veículo, e o homem, do lado oposto. Além disso, garantiu à "Folha da Manha" que os passageiros desembarcaram em Melo, cidade situada no Uruguai, aproximadamente a 130 quilómetros de Bagé. Com isso, o cobrador estava dizendo algo absolutamente contrário àquilo que afirmavam os comunicados das Forças Conjuntas uruguaias . . .
Em minha opinião, essa constituía mais uma das inadmissíveis versões a evidenciarem misteriosos propósitos de tumultuar o caso e obstar o esclarecimento da verdade.
Não eram muito diferentes as opiniões de outras pessoas que acompanhavam o desenrolar dos fatos. Para o Senador Paulo Brossard, o escândalo insultava a Nação. Para José Mitchell, do "Jornal do Brasil", o depoimento das três testemunhas de Bagé era contraditório quanto aos horários, conflitando com os dados até então do conhecimento de todos, inclusive com o texto dos comunicados uruguaios. Enquanto aqueles afirmavam a entrada em dois automóveis, em Bagé se falava na ida de ònibus.
Por essa razão, Faoro não levava a sério as providências das autoridades em relação ao esclarecimento do seqüestro. E Brossard acusava a Polícia Federal de acobertar os implicados.
A verdade era que quanto mais a Polícia Federal procurava dados convincentes, mais eles se tornavam confusos e ostensivamente duvidosos. Pouco a pouco o álibi ia desmoronando.
Em meio a isso, o motorista de táxi, Adíl lanzcr denunciou à "Folha da Manha" estar sofrendo ameaças da Polícia Federal no sentido de que fosse positivo na identificação dos uruguaios. As ameaças constituíam na apreensão do táxi, que era sua única fonte de renda.
Por outro lado, o agente Fernandez, do posto policial uruguaio situado na divisa, assegurava ter consultado as listas onde obrigatoriamente eram registrados e identificados todos os passageiros, pias nelas não constavam os nomes das vítimas. Esse fato, por si só, já era bastante grave.
Face a esse emaranhado de contradições, inúmeras eram as questões que se mantinham sem qualquer esclarecimento. Eu me formulava várias: se havia dois automóveis implicados, conforme a versão uruguaia, tendo sido presos os ocupantes de um e havendo o motorista do outro fugido, onde estavam tais veículos? Como poderiam ter atravessado o posto de fiscalização dois carros que não eram dirigidos pêlos seus proprietários? Por que o proprietário, ou proprietários, nunca os reclamou? Como poderia uma mãe viajar a um país "inimigo" separada de seus dois filhos? Ainda mais correndo tanto risco? Se haviam fotografado as "armas" e o "material sedicioso", por que nunca surgiu a foto dos automóveis? E se tivessem viajado de ònibus, por que os nomes, verdadeiros ou falsos, não constavam nas listas da Polícia uruguaia?
Todas as informações a respeito de Lilian confirmavam ser uma mulher de inteligência incomum: ela não invadiria o Uruguai com seus dois filhos. Isso conduzia a uma única explicação plausível, que os fatos estavam a demonstrar -- montara-se uma grande farsa em torno do caso a fim de encerrá-lo com feclio de ouro e abafar definitivamente a "agitação".
Em Bagé começavam a circular boatos sobre a falsidade do depoimento dos três homens, comentando-se que teriam sido pressionados na Polícia Federal no sentido de confirmarem a saída espontânea. Segundo informações aos bacharéis George Teixeira Giorgis e Mário Aguiar Moura, o motorista Oswaldo Biaggi de Lima afirmou que a Polícia Federal fez con fatos inclusive em Montevidéu para acertar a saída dos sequestrados via Bagé - Aceguá - Melo. Para que se comprove a idoneidade(!) da testemunha Patrocínio Lugo Acosta, diga-se que recebi do Dr. Teixeira Giorgis uma sentença do Fórum de Bagé que condenou o referido depoente como abigeatário.
A farsa ia-se desmontando peça por peça, rompendo-se totalmente, em vista da duplicidade de versões, ambas oficiais: uma uruguaia -- prisão em território uruguaio, em dois automóveis e com material subversivo; outra, brasileira -- saída espontânea, de ònibus . . .
Tais contradições, por si somente, cobriam de descrédito ambas as hipóteses em vista de seu primarismo, que tinha como único objetivo obstruir a açâo da Justiça.
No entanto, os fatos que ocorreram em Bagé apresentavam outros aspectos de profunda gravidade. Numa atenta análise nas listas de passageiros juntadas ao inquérito, observou-se que justamente a lista do dia 21 de novembro de 1978 -- dia da viagem -- não tinha, como todas as outras, os furos próprios para arquivamento, o que indicava sua confecção com o fim determinado e proposital de ... simplesmente constituir prova falsa em processo criminal!
Mais tarde, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa solicitaria à Comissão de Polícia Técnica uma perícia nas segundas vias das passagens, para verificação do número dos passageiros que viajaram em 21 de novembro. O laudo taxativamente informaria ter viajado apenas um (l) passageiro naquela data!
Com relação à farsa de Bagé, outra fraude iria ficar mais tarde constatada com relação aos documentos de identidade de Francesca. Isso, todavia só ocorreu quando a família Celiberti viajou a Porto Alegre trazendo a neta. Como a menina tinha passaporte uruguaio expedido pelo Consulado de Milão, cotejei-o com a cédula falsa da travessia de Bagé. Constatei que nesta última, fornecida pelas autoridades uruguaias, a data de nascimento era 6 de dezembro de 1972 -- quando ela havia de fato nascido em 11 de agosto de 1975. E mais: a foto do documento falso das Forças Conjuntas era reprodução da que constava no passaporte autêntico, o que se explicava porque, no momento da falsificação, as crianças não puderam ser fotografadas por já estarem com os avós.
Para mim, a circunstância de a Polícia Federal ter recebido e usado os documentos falsos constituía mais um dado a denunciar o acobertamento e o comprometimento das autoridades, motivo por que o relatório do Deputado Ivo Mamar di concluía que
"caíra por terra, pela sua própria falsidade, a encenada farsa de Bagé, que apenas demonstrou de forma clara a existência de um conluio para encobrir o inominável atentado que se consumou com a entrega de Lilian, Universindo, bem como os filhos da primeira, às autoridades uruguaias."
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