Seqüestro no Cone Sul
Até cuando ó Cícero, abusarás de nossa paciência?

Dos representantes da ARENA que integravam a Comissão Parlamentar de Inquérito, o Deputado Cícero Viana, dada sua condição de ex-delegado, era o que poderia causar maiores preocupações. Eleito especialmente com votos da Polícia, dedo-duro confesso, certamente faria uso de toda espécie de estratagemas com o fito de perturbar as atividades da Comissão. Por muitas de suas intervenções, em plenário ou fora dele, já se pressentia sua versatilidade e mobilidade em vicejar por áreas lícitas e ilícitas.

Ele mesmo definira, por duas atitudes que objetivamente tinha assumido, o terreno e o nível do debate que se iria travar: numa das vezes, quando o Governador alterou a composição do Conselho Superior de Polícia, acusou Guazelli de ter apunhalado a Polícia, em outra afirmou que a CPI era palhaçada e politicagem. Por isso não me surpreendi quando Cícero,'ultrapassando os limites éticos, apelou para o jogo sujo.

Na tarde de 20 de abril vieram ao meu escritório inúmeros jornalistas. Entre eles, Luís Cláudio, Trindade, Ênio Staub, Porcello ("O Estado de São Paulo"), Lúcia Mendes ("Rádio Farroupilha"), Marco Celso Viola (Caldas Júnior) e Fernando Souza Saes ("Zero Hora"), para me comunicar que o Deputado Cícero prometera apresentar, no dia 24, documentos bombásticos, que poderiam alterar totalmente os rumos da CPI. O Delegado trombeteava dispor de provas da inexistência do seqüestro, acrescentando que eu o teria forjado para encobrir ligações clandestinas com uruguaios. Tranquilizei-os dizendo que estava seguro: nada havia feito de errado - não industriara testemunhas nem me servira de qualquer artifício, motivo por que nada poderia me preocupar.

De qualquer forma, o jornal "O Globo" queria minha opinião e no outro dia, ao lado da promessa que o Delegado fazia de apresentar "provas conclusivas", figurava minha entrevista, onde acusava a polícia gaúcha, o advogado dos policiais e o próprio Deputado Cícero de estarem tramando um "desdobramento manipulador, artificioso e ridiculamente hipócrita para o caso". A respeito da exibição de possíveis documentos, afirmei:

"É viável que surjam documentos da polícia uruguaia, como por exemplo, declarações das vítimas, ou da própria mãe de Lilian, de que não ocorreu seqüestro. Isto já era esperado e não merece nenhuma credibilidade, dada a violência da tortura a que podem ter sido submetidas."

Ao "Jornal do Brasil" eu fora mais contundente, havendo asseverado que

"A ditadura militar uruguaia, através da intimidação, coaçâ'o e tortura, pode obter qualquer tipo de confissão de pessoas que estejam em seu território. Pode fazer um astrónomo assinar declaração de que a terra é quadrada e que o sol gira em torno dela."

Na segunda-feira, 23 de abril, Cícero deu publicidade a um documento subscrito pela mãe de Lilian. Transcrevo-o na íntegra para que seja possível uma análise global dos fatos, destacando, desde já. a necessidade de se observar o item l (um) para se ver que fora levado pronto para a assinatura de Da. Lília:

"Montevidéu, 6 de abril de 1979. Diante das versões da imprensa, de caráter contraditório, realiza-se uma entrevista com a Sra. Lília Rosas Celiberti, a qual proporciona sua versão sobre as notícias referidas:

l -- A respeito de que o Dr. Ferri é advogado da família, a senhora declara que inicialmente outorgou poderes para sua representação, porém que atualmente havendo sido processada sua filha Lilian comunicou-lhe telefonicamente que lhe agradecia sua colaboração e que entendia que»»o assunto estava definitivamente terminado.

2 - Com relação à visita que a senhora Rosas de Celiberti manteve com sua filha Lilian, declara que trataram somente assuntos de aspectos familiares, não mencionando-se em momento algum a suposta versão de que havia sido sequestrada no Brasil, motivo pelo qual são desvirtuadas as notícias aparecidas na imprensa brasileira a respeito.

3 - A respeito dos supostos depoimentos das crianças Camilo e Francesca, a Sra. Lília Rosas Celiberti indica que não é possível atribuir tais versões a menores de tão pouca idade, e que considera inconveniente utilizá-las como supostas testemunhas, já que pode prejudicar sua saúde mental o fato de se verem envolvidas em declarações de imprensa que eles não formularam.

O presente depoimento é assinado para total conformidade pela Sra. Lília Rosas Celiberti, para o fim de desvirtuar versões jornalísticas sem fundamento que não somente prejudicam sua pessoa, como também e com maior gravidade, as crianças Camilo e Francesca.

Ao final, o documento deixava claro que um dos objetivos era acusar a imprensa de ter desvirtuado as notícias. Por isso, o DeputadoDelegado encaminhou aos jornais as seguintes declarações:

"A MONTAGEM DE UMA FARSA

Desde o instante em que o momentoso caso ganhou importância pública através da imprensa, diante de acusações formuladas pelo advogado Omar Ferri e outros, sempre no sentido de que os uruguaios haviam sido sequestrados desta capital, com a participação de policiais gaúchos, tentei afanosamente um elemento de convencimento, eis que as acusações jamais foram apoiadas em documentos ou depoimentos assinados por qualquer das partes envolvidas, inclusive a mãe da indigitada Lilian, a sra.Lília Rosas de Celiberti.

Ao mesmo tempo, no curso dos procedimentos da Polícia Federal, da Justiça e da própria Comissão Parlamentar de Inquérito instalada nesta Assembleia Legislativa, por requerimento da Oposição e com veemente incentivo de Ferri e outros, notei que alguns depoimentos - como os dos motoristas e outros cidadãos de Bagé -- contradiziam as acusações, ao mesmo passo em que os policiais igualmente negavam as versões.

No entanto, observei que apenas as palavras dos que detratavam os policiais e insistiam na figura criminal do seqüestro é que vinham merecendo fé, ainda que calçadas apenas em declarações pessoais, ilações e outras formas mais frágeis de causações.

Já adentrando na investigação devido a minha participação na CPI, maiores elementos recolhi, favorecendo a opinião de que tudo não passava de uma montagem, preparada e ordenada à guisa de revanchismo político pelo advogado Omar Ferri, conhecido militante da esquerda, defensor permanente de envolvidos em terrorismo, atos de subversão, e sempre pronto para desfechar ataques contra os organismos de segurança, especialmente contra homens como o delegado Pedro Seelig, um dos baluartes no combate ao terrorismo e à subversão.

Então, na busca de um documento robusto de prova e farto de versões vazias e contraditórias, aproveitei a ida a Montevidéu de pessoa idónea, para pedir que procurasse na capital uruguaia a Sra. Lília Rosas de Celiberti e dela obtivesse uma declaração, uma carta ou uma entrevista, esclarecendo pontos obscuros do caso.

Aceito meu pedido, formulei três perguntas -- e me arrependo de não haver formulado muitas outras, eis a presteza e o interesse demonstrado pela sra. Rosas de Celiberti em respondê-las, já que apresentava sua surpresa e revolta pelas versões indevidas que lhe atribuíam, bem como ao menor Camilo, seu neto. Minha primeira pergunta dizia respeito à condição do dr. Ferri como procurador da sra. Lilia Rosas de Celiberti. Eu queria saber se o agitado causídico ainda detinha o instrumento legal para representá-la. A segunda pergunta versava sobre uma visita que a sra. Lília teria feito à sua filha Lilian, ocasião em que, segundo a versão do dr. Ferri, a terrorista teria contado detalhes de seu pretenso "seqüestro", exibindo para conhecimento da sra. Rosas de Celiberti os jornais desta capital com o farto noticiário a respeito,

A terceira pergunta orientava-se a um alegado testemunho prestado pelo menino Camilo, tão triste e despudoradamente envolvido no caso, com sérios prejuízos à sua formação de personalidade.

Pois veio de lá a verdade, assinada pela sra. Lília Rosas de Celiberti, mãe de Lilian. Tive o cuidado de mandar reconhecer sua assinatura no mesmo cartório, no mesmo tabelionato desta capital, onde Ferri mandara reconhecer a respectiva assinatura no instrumento de procuração, para evitar explorações demagógicas e mentirosas.

Tive o cuidado, igualmente, de mandar realizar uma tradução por tradutor juramentado -- não obstante o fácil entendimento do espanhol.

Assim, pêlos documentos que junto a esta declaraçáo-entrevista pela sr. Lília Rosas de Celiberti e por ela devidamente assinada (firma reconhecida ao pé pelo l P Tabelionato de Porto Alegre, a 18 de abril de 1979, e respectiva tradução juramentada pelo sr. Abel Moretto, estabelecido na Avenida Borges de Medeiros, 446, 3° andar, sala 317, nesta capital), fica suficientemente comprovada a montagem de uma farsa pelo dr. Omar Ferri, que lamentavelmente alcançou repercussão na opinião pública brasileira e internacional. Fica claro que houve solércia, engodo e muitas mentiras."

Pois Cícero estava dando uma de Catüina: estava blefando. Mais do que isso: estava mentindo.

A guerra que até então se travara no campo dos debates, manifestações, entrevistas, denúncias e acusações, agora estava sendo transferida para o terreno dos documentos e dos comunicados. Mas senti que o Delegado dera sua cartada final. Agora só restava ar em suas mangas. Como o armamento usado já era de nosso conhecimento, a munição acabara se esgotando no primeiro tiro. Isso me fazia lembrar de um dito popular típico da região de colonização italiana, referente a uma frutinha que, verde ou madura, mantinha a mesma cor. Sobre ela se dizia, em dialeto vêneto: "Venhará il tempo che si maturano i nespoli." O jeito, portanto, era prosseguir com calma e segurança. O que não significava que não devesse contra-atacar com firmeza. Para começar, divulguei a seguinte nota:

"l -- Em 20 de novembro denunciei a ocorrência de um seqüestro praticado nesta capital, contra Universindo, Lilian e os filhos desta: Camilo e Francesca.

Mantenho a denúncia, ratificando-a neste momento.

2--0 Deputado Cícero Viana menciona em sua declaração, que os depoimentos de Bagé têm força para contradizer as provas do Seqüestro. Mas eu pergunto:

a) De nada valem os depoimentos de Luís Cláudio e Scalco?

b) De nada valem os depoimentos da Comissão da OAB que esteve no Uruguai?

c) E os demais fatos e documentos que comprovam irrefu- tavelmente, a prática de um crime que, por todas as suas características, é um dos mais violentos de nosso Código Penal?

Prefere o Deputado dar valor a depoimentos contraditórios, um deles até condenado por crime de abigeato. Digo a esse Deputado que não sou homem de direita c também não montei, à guisa de revanchismo, nenhum seqüestro. ç Pedro Seelig, é verdade, tem contas a ajustar com a Justiça, mais por aquilo que fez, do que por palavras ditas por mim.

3 - Que documentos robustos pode ter quem os arranca na base da coaçao e da intimidação?

4 - Agora é que está começando uma farsa que tem por objetivo o alcance da impunidade mediante a hipótese da saída espontânea (do Brasil) e entrada clandestina (no Uruguai).

5 -- Desafio o Deputado Viana a conseguir com a polícia Uruguaia (com quem ele e os demais se entendem muito bem) o retorno, a esta Capital, da avó, de Lilian, Francesca e Camilo, onde teríamos condições de ver quem realmente está faltando com a verdade.

6 -- Finalmente, não é correio que Da. Lília tivesse me telefonado dispensando meus serviços profissionais. Pelo contrário, muitas cartas expressam seu profundo reconhecimento.

7 - Mantenho todos os meus pronunciamentos.

Eles jamais me envergonharão.

Nem envergonharão meus filhos.

Minha consciência não está ultrajada.

Hoje como amanha, continuarei agindo como agi, digna e decentemente."

Nesse mesmo dia, Paulo Maciel ("Zero Hora") se perguntava se a mãe de Lilian tinha mudado, e concluía:

"Só não duvido da carta do Deputado Viana, mas levanto sérias dúvidas do que pode ter acontecido a esta senhora para ela mudar tanto assim de opinião."

Essas circunstâncias desairosas nasciam das próprias jogadas previamente preparadas e usadas a um só tempo. Na mesma data em que o Deputado Cícero dava conhecimento da carta, a Policia Federal "esclarecia" que, segundo constava dos depoimentos que Lilian e Universindo haviam prestado à Justiça Militar uruguaia, eles haviam ingressado livremente no território da República oriental.

Mas, questionava eu, que valor podia ter a carta rogatória? Sobretudo lembrava que, num de seus bilhetes, Lilian comprovava que fizeram-na assinar um documento nesse sentido. E acrescentava que o mesmo ocorrera um ano antes, com Ana Salvo.

A rogatória fora requerida pela Polícia Federal do Brasil, mas a primeira autoridade uruguaia que nela oficiou foi o Cel. Nery Egana, Diretor Geral do Ministério das Relações Exteriores. A segunda foi o Cel. Manuel A. Talin, do Ministério de Defesa Nacional. Após remessa ao Supremo Tribunal Militar, recebeu despacho do Ten. - Cel. Nolly Noble Alvez. Depois foi o Presidente do Supremo, Gen. Federico Silva Ledesma, que a despachou para o Juiz Militar de Instrução do Primeiro Turno, Cel. Carlos Gamarra, e este passou a seu secretário, o Cap. Aniceto Normey. Foram eles que . . . "ouviram" os sequestrados.

Note-se bem: seis militares - um capitão, um general e quatro coronéis. Lilian e Universindo só tinham mesmo é que assinar. Sequer leram o documento, pois os militares, ante o deslumbramento que lhes proporcionara o poder usurpado em 1973, não iriam preocupar-se com detallies jurídicos. Caso manifestassem qualquer dúvida . . . para resolver essas dúvidas o sistema uruguaio dispunha de gendarmes e dos sofisticados aparelhos de tortura sediados no infiemo do 13° de Infantaria.

Mas se, de um lado, Cícero Viana me acusava de ter forjado provas, de outro, o advogado dos réus. Lia Pires, invocando o teor da rogatória, afirmava que o seqüestro era uma comédia.

Tudo isso ocorria no exato momento em que 410 policiais eram submetidos, no prédio da Assembleia Legislativa, a processo de reconhecimento, por Luís Cláudio Cunha e Scalco.

A Ordem dos Advogados negava qualquer valor à rogatória, e Seabra Fagundes destacava que sua nulidade era especialmente devida ao fato de ter sido colhida sem a participação de advogado.

Concomitantemente, o Promotor Dirceu Pinto esclarecia não ter solicitado carta rogatória, e que o documento em poder da Polícia Federal não passava de uma "carta policial".

Mas, ainda admitindo-se que fosse verdadeira a declaração prestada por Da. Lília, sob o título de "A Farsa", Ivete Brandalise, cronista da "Folha da Manhã" escrevia:

"Há uma preocupação enorme por parte de alguns deputados em arranjar testemunhas, em conseguir provas que possam anular a acusação primeira, o seqüestro dos uruguaios.

Preocupação maior, com mais insistência que a preocupação de esclarecer o fato" ... "E se o deputado Cícero Viana acredita que o seqüestro foi uma farsa apontada pelo advogado Omar Ferri, então que se examine essa farsa, que se esclareça os pontos todos, que se refaça o trajeto percorrido pêlos uruguaios, que se explique a presença de Didi Pedalada e outros homens armados na recepção aos dois jornalistas, no apartamento de Lilian, aqui em Porto Alegre."

Cícero, no entanto, não parecia muito bem preparado como policial. Pois deveria ao menos ter desconfiado que, como em todas as vezes anteriores, sempre que surgia um fato novo que precisasse de comprovação, a imprensa de imediato se deslocava para Montevidéu. E foi exatamente isso que fez a "Zero Hora".

A repórter Eunice Jacques e o fotógrafo Damiao Ribas, tão logo chegaram à capital uruguaia, encaminharam-se à "calle Santiago Ribas", onde moravam os Celiberti. Ao subirem as escadas para o segundo andar daquele edifício de apartamentos populares, deram-se conta de que estavam sendo seguidos. O acompanhante parou quando se detiveram diante da porta. Da. Lília abriu e, quando informaram serem jornalistas brasileiros, tiveram a seguinte resposta:

- Por favor, vão embora. Não vou falar.

- Não podemos ir enquanto não falarmos. Precisamos saber porque a senhora dispensou os trabalhos do advogado Omar Ferri.

- Eu? Ora, passem.

Ficaram na escuta por alguns momentos, com os ouvidos praticamente colados à porta. Eunice lhe adiantou que não queria causar rnais problemas, ao que Da. Lília respondeu:

- A mim não me causam mais nada.

A mãe de Lilian revelou aos repórteres que tinha assinado a declaração divulgada por Cícero Viana para um "jornalista" de Porto Alegre porque um oficial das Forças Conjuntas lhe disse para atender à solicitação . ..

- pela tranquilidade de sua filha Lilian.

Além disso, o mesmo oficial a proibiu de fazer qualquer declaração a jornalistas. Caso contrário, seriam todos presos.

Mais uma vez estava provada a farsa que se tentou armar em Porto Alegre. Assim como, mais uma vez. Da. Lília dava demonstração de sua coragem para desmascarar a Impostura Conjunta.

Em fins de abril eu recebia cartas de Homero Celiberti, de Da. Lília e de Mirtha. A irmã de Lilian me dizia:

"A calúnia e a mentira é uma prática comum daqueles que não têm interesse que se saiba a verdade e que têm tratado já outras vezes de proteger os responsáveis por estes crimes e de converter as vítimas em culpados, sustentando com eles a falsa versão da ditadura uruguaia que não somente sequestra, assassina e tortura a todos aqueles que denunciam estes crimes, mas que também, para isso não vacilam em violar a soberania de outro País."

Homero afirmava: "sua luta é também a nossa luta, não posso calar diante das insinuações que o seqüestro foi uma invenção sua".

Mas era novamente Da. Lília que acrescentava dados que até então eu desconhecia. Desta vez recebi uma carta datilografada, fato incomum, com detalhe importante a respeito da entrevista concedida ao enviado do Deputado Cícero Viana.

Escrevia Da. Lília:

"Por versões de jornais, tive conhecimento que um papel firmado por mim, a uma pessoa que se apresentou em minha casa dizendo ser jornalista do "Correio do Povo" acompanhada por um Oficial das Forças Armadas de meu País foi utilizado como prova contra o senhor na CPI. Fundamentalmente quero esclarecer-lhe que em nenhum momento foi minha intenção dar por concluídas suas funções de advogado de minha família no Brasil, simplesmente fiz referência a uma conversa telefónica que mantivemos na qual recomendei que não se desvelasse mais pelo caso, por considerar que o mesmo estava concluído nas atuações da Justiça Militar do meu País.

Por tal, aproveito a presente para reafirmar-lhe minha mais absoluta confiança em suas atuações de advogado e amigo, as quais tive a oportunidade de valorizar em sua justa medida, na ocasião de minha viagem a Porto Alegre. Sem outro particular, lamentando profundamente as derivações, lhe saúdo atenciosamente."

Uma particularidade que me chamava atenção era o fato de o "jornalista" que entrevistara Da. Lília estar vinculado ao "Correio do Povo". Por isso, com a intenção de esclarecer devidamente o episódio e, ainda, para me defender das acusações do Deputado, solicitei, em carta de 15 de maio, que o Diretor daquele jornal confirmasse ou não o envio de algum jornalista a Montevidéu. Contestando, o Dr. Breno Caldas informou que :

"O Correio do Povo ou qualquer outro veículo de comunicação da Companhia Jornalística Caldas Júnior não enviou nem credenciou qualquer representante para ir a Montevidéu com o fim de colher declarações da senhora Lília Rosas de Celiberti."

De posse da carta do Dr. Breno, enviei um comunicado ao Presidente da CPI, Deputado Nivaldo Soares, em que historiava os fatos e apontava as seguintes conclusões:

"a) que a pessoa que foi a Montevidéu, absolutamente não é idónea, como mencionou o Deputado Cícero Viana em seu comunicado á imprensa;

b) que esse enviado praticou o crime de falsa identidade;

c) que ficou plenamente comprovado que o referido Deputado realmente tentou arquitetar uma farsa;

d) que o uso de burla e do crime estão cada vez mais conspurcando a honra do Rio Grande;

e) provado também está que o "documento" foi conseguido pelo acionamento de um processo coativo, intimidatório e, outrossim, pelo uso de ardil e fraude.

Que o Deputado tenha coragem de dizer quem é o emissário "idóneo".

f) Inquestionável -- e este fato se torna mais patente com o passar dos dias -- a existência de completo acordo, convivência, conivência e comprometimento das polícias brasileiras e uruguaias.

Eu me pergunto, Sr. Presidente, em que parte do corpo humano pode se esconder a consciência de quem assim age? Me pergunto, por que tumultuar o que já está tão claro?

A nossa dignidade de pessoa humana pode ser tão devaira damente ultrajada?

Chegou a hora de se proclamar a exigência da probidade dos aios políticos e públicos sob pena de desacreditarmos de nosso próprio parlamento.

Considero que tal deputado carece das mínimas condições, quer públicas, políticas ou morais para continuar como membro dessa CPI."

Como subsídio, no quadro dos tumultuados acontecimentos gerados pela mistificação do Deputado Cícero, insere-se o extenso ofício que o Deputado Romildo Bolzan encaminhou ao Presidente da CPI, datado de 30 de maio. O texto assim concluía:

O deputado é, no mínimo, parcial, pois que chama de "terrorista" uma possível vítima, de "esquerdista" seu advogado, e qualifica de "farsa"o próprio objeto de investigação da CPI que integra.

Assim, temos que o deputado Cícero Viana propôs-se a investigar uma "farsa" montada por um advogado "esquerdista" que defende uma "terrorista". Daí conclui-se também o nível de seriedade e comportamento parlamentar do deputado.

e) Mas não só de imparcialidade e seriedade carece este membro da Comissão, já que atribui a lamentável morte da escrivã Faustina Elenira Severino a causas estranhas ao laudo médico do IML. Segundo justificativa de voto de pesar pela morte de Faustina, apresentado pelo deputado, a escrivã teria morrido pela "fúria e sanha . . . das forças que se desencadearam e se projetaram sobre a Polícia. . . "Faustina teria ainda como "causa-mortis" "a pressão sobre ela exercida por Omar Ferri e outros forjadores desse abjeto caso de seqüestro, que só existe na fértil e asquerosa imaginação dos contrários à paz e dos inimigos da justiça".

Registre-se o propósito desse documento, que o próprio autor retirou-o de votação, o que não impede que o avaliemos como mais uma demonstração do ânimo que preside a atuaçao do autor dele nesta Comissão.

f) Se isto não bastasse para provar o peso negativo do referido deputado nesta investigação, bastaria comparar a "entrevista" de Dona Lília obtida por pessoa "idónea" -- segundo o deputado - juntada aos autos da CPI às folhas 231, com a carta da mesma senhora, ao advogado Omar Ferri, em que desmente o especial íssimo enviado do parlamentar, acrescida de expediente do jornalista Breno Caldas em que se confirma que a C.J.C.J. não credenciou ninguém para fazer a tal "entrevista", com Dona Lília.

II. De tudo isto impõem-se algumas conclusões, por si só bastante evidentes:

1) Que o deputado Cícero Viana considera o objeto de investigação desta CPI como uma "farsa"

2) Que a "farsa" não merece investigação, já que as possíü veis vítimas são "terroristas"', 3) Que se houve ou não seqüestro não importa, uma vez que as vitimas e seu advogado são "esquerdistas" e "terroristas"',

4) Que o parlamentar, em seu maniqueísmo, perde sua idoneidade junto com a do seu "enviado especial" à Montevidéu;

5) Que permanece irresolvida a questão da "idoneidade"do militar uruguaio que teria acompanhado o amigo do deputado Cícero para a entrevista com Dona Lília;

6) Que o deputado já decidiu sobre os fatos e vem, preconcebidamente, aluando para obliterar qualquer visão da verdade que não a sua versão dela.

III. Face às conclusões impõem-se as seguintes providências:

1) Que o deputado Cícero revele a identidade do "entrevistador" de Dona Lília para que se possa chamá-lo a depor. Em caso contrário, que se retire dos autos desta CPI a entrevista obtida pelo emissário do deputado, cujos termos foram desmentidos por Dona Lília em carta ao Dr. Ferri;

2) Que, para preservar a lisura parlamentar e o andamento dos trabalhos desta Comissão com a imparcialidade que se impõe, a CPI se reúna em sessão especial para analisar o comportamento do deputado Cícero Viana."

É de se salientar o item l do inciso III, pelo qual Bolzan solicitava que fosse retirada dos autos da CPI a "entrevista" obtida pelo emissário de Cícero, cujos termos haviam sido desmentidos por Da. Lília.

Nivaldo Soares notificou Viana para que esclarecesse qual a pessoa que fora enviada a Montevidéu. Mas este preferiu acusar Bolzan de ter sido o "advogado da subversão". Face à falta de seriedade do parlamentar, o Presidente determinou o desentranhamento dos documentos que o Delegado-Deputado havia incluído.

Reagindo a essa exclusão, Cícero ajuizou mandado de segurança, que foi denegado pelo Relator da matéria no Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador Athos Gusmão Carneiro, que invocou o princípio fundamental da independência e harmonia dos Poderes, e, ainda, que a admissão ou inadmissâo de provas por Comissão de Inquérito é assunto interna corporis.

Fulminada assim, por decisão judicial, caiu a farsa, com máscara e tudo. E o eloquente plano, a "bomba" de Cícero, acabou num escuso e inominável ruído . . . acompanhado de exalações pouco agradáveis ao olfato. E pelo vórtice desses odores foi sorvido o Caulina que se travestia ...

Anterior

Seguinte


Derechos Humanos en Brasil | Biblioteca Digital

small logo
Este libro ha sido editado en Internet el 01sep02 por el Equipo Nizkor y Derechos Human Rights