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Num daqueles dias que estávamos em Montevidéu, procurando fazer contato com as autoridades em vacaciones, fui chamado ao telefone do hotel Vitória Plaza.
-- O senhor é o Dr. Omar Ferri?
-- Sim, eu mesmo.
-- Quero comunicar-lhe que a missão dos senhores está sendo constantemente vigilada.Sem identificar-se, meu interlocutor de imediato desligou.
Em outubro de 1979 recebi uma carta escrita de Montevidéu e postada em Santa Vitória do Palmar, em que o signatário -- que assinava o nome de Alfredo -- afirmava haver participado do seqüestro, estando disposto a colaborar mediante pagamento em dinheiro. Continuava propondo que, caso eu aceitasse, deveria me deslocar a Montevidéu no dia 28 daquele mês de outubro.
Recusei o plano por dois motivos: em primeiro lugar, por questão de princípios, eu não negociaria informações; em segundo, não me atreveria a viajar desacompanhado ao Uruguai.
Em 26 de abril do ano seguinte -- 1980 -- recebi um telefonema:
-- É o Paulo Maciel, da "Zero Hora".
-- O que é que há Maciel?
-- Precisaria que viesses ao jornal com a máxima urgência.
-- Mas, do que se trata?
-- Podes vir agora, Ferri?Sua voz denotava impaciência e preocupação.
-- Sim, estou de saída.Logo que cheguei, ele me explicou rapidamente:
-- Olha, aqui bem próximo, num bar, está um cidadão que entrou clandestinamente no Brasil, Diz que é fotógrafo de um órgão de inteligência uruguaio e afirma ter participado do seqüestro. Assegura que tem condições de contar toda a história ocorrida do outro lado, com dados, locais e nomes. Disse também que trouxe muitas fotografias de pessoas envolvidas, e que te procurou, mas como hoje é sábado e teu escritório está fechado resolveu vir aqui. Como és a única pessoa que pode checar com segurança as informações que ele tem, resolvi pedir teu auxílio. Realmente, a esta altura dos acontecimentos, eu dispunha de todos os dados necessários para avaliação de qualquer informe.
Tanto isso era verdade que, alguns meses atrás, o Trindade, o Rafael Guimarães e o Quaresma haviam conduzido a minha casa um personagem que se dissera conhecedor de todo o plano do lado uruguaio. Naquela oportunidade não precisei ouvi-lo mais do que cinco minutos para saber que se tratava de um impostor. Chegara do Uruguai com uma companheira, trazendo toda a bagagem -- imaginando que eu o hospedaria por alguns dias -, pois, como dizia:
-- Temos muita coisa importante para conversar.
Seu nome era Miguel Rodrigues. Mas, por mais que se esforçasse em me relatar fatos, com menção de nomes, eu percebia claramente sua vontade de acertar. Inclusive, estranhei a facilidade que tinha de expressar-se em português, que -- como vim a saber muito tempo depois -- adquirira quando funcionário da Embaixada uruguaia em Brasília, nos anos de 1974 ou 75. E, quando discorria sobre detalhes, frequentes vezes olhava para a companheira, como pedindo sua aprovação. Sua história, contudo, não se harmonizava com muitas minúcias que eu conhecia e que, até então, não revelara á imprensa, uma vez que esse procedimento era fundamental para nossa segurança, pois evitava ciladas.
Além deste, muitos outros uruguaios misteriosos haviam visitado meu escritório, mas, em todas as situações eu tive uma espécie de sexto sentido. Um ar de descrença ou uma atitude de reserva acabava sendo detectada pêlos interlocutores, que nunca mais retornavam.
Agora estava diante de outra dessas situações. Conhecia toda a história do lado brasileiro. Mas, do Chuí até Montevidéu, tudo me era desconhecido e cercado de denso mistério. E essa parte dos acontecimentos despertava em mim irresistível fascínio. Disse ao Maciel:
-- Busca o cara.
Chegou depois de alguns minutos. Falamos por duas horas. A maior parte da conversa foi presenciada pelo Carlos Alberto Kolecza. Depois desse tempo, virei-me para os dois jornalistas e disse:
-- A história é quente.
Nosso interlocutor chamava-se Hugo Walter Garcia Rivas. Havia sido soldado da secção técnica da Companhia de Contra-Informações do Estado Maior do Exército Uruguaio, onde exercera a função de fotógrafo.
Ingressara no quadro militar no começo de 1977, tendo dado baixa em 31 de dezembro de 1979. Possuía carteira de identidade, título eleitoral, carne militar, número de código interno, além de ser filho de militar. A "Zero Hora" acabou comprando sua história com exclusividade, pagando cerca de duzentos mil cruzeiros.
Até hoje me arrependo da dureza que utilizei no interrogatório, pois fiz sempre o papel de advogado do diabo. Ele mesmo havia mencionado o telefonema dado ao Hotel Vitória Plaza, reproduzindo fielmente a denúncia de que estávamos sendo constantemente vigiados. Confirmara, além disso, ter sido o remetente da carta em que usara o pseudónimo de Alfredo. Essas particularidades, ao lado de uma história que assumia coerência total, com um ou dois erros apenas, em centenas de minúcias, poderiam nos deixar tranquilos. Mas entendi valer-me de informações de Montevidéu, Paris e São Paulo, onde existiam refugiados capazes de avaliar de imediato todos os dados pertinentes ao seqüestro.
Da. Lília me avisou, de Montevidéu, que um pormenor não correspondia. Com isso, o Kolecza quase entrou em pane, pois em seus ombros recaía a responsabilidade de garantir ao jornal a veracidade do relato. Passamos a admitir uma margem de erro, atribuindo-a à situação do Uruguai, sob tensão e terror.
O fato discordante na história de Rivas referia-se às atitudes de Hermann Steffen Artigue, o qual estivera preso e negava que, nessa ocasião, fora trazido até o Chuí para encontrar-se com seu filho Hermann S. Aguirre. Essa circunstância quase desmontou o relato de Rivas. Mas era possível que, aterrorizado pela prisão e pêlos maus tratos, Hermann Steffen estivesse negando a viagem, como de fato negou. Ficamos sabendo que ele evitava contatos com Da. Eília, o que nos sugeriu que realmente temesse outras complicações. Estávamos certos.
Hugo Rivas permaneceria 49 dias no Brasil, antes de viajar para a Noruega. Combinamos que as iniciativas para conseguir asilo seriam tomadas por mim, ou seja, de Porto Alegre para a frente eu procuraria solução para os problemas.
Comuniquei-me, em São Paulo, com o Dr. Belisário dos Santos Júnior, representante do SIJAU, que ficou encarregado de acertar detalhes com entidades internacionais -- Cruz Vermelha ou Anistia -- uma vez que, o fato de Rivas ter pertencido ao aparelho repressivo do Uruguai criava uma situação irreversível de impedimento junto ao ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.
Durante o período em que se processavam os necessários contatos, Rivas prestou declarações ao jornal "Zero Hora" e ao Movimento de Justiça e Direitos Humanos; à Ordem dos Advogados do Brasil, com a presença de seu Presidente, Dr. Eduardo Seabra Fagundes, do Presidente da Secção do Rio Grande do Sul, Dr. Justino Vasconcelos, do Presidente da Secção de São Paulo, Dr. Mário Sérgio Duarte, do Vice- Presidente do Conselho Federal, Dr. José Paulo Sepúlveda Pertence, do Secretário da Secção de São Paulo, Dr. Márcio Thomas Bastos, do Procurador Hélio Bicudo, do Dr. Iberé Bandeira de Mello, representante da Associação de Advogados Latino-Americanos Pela Defesa dos Direitos Humanos, do Dr. Belisário dos Santos Júnior, representante do SIJAU. Participei de todos os depoimentos na qualidade de representante do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e de advogado de Lilian e üniversindo.
A história de Hugo Rivas era longa, visto ter exercido suas atividades bem no coração dos aparelhos repressivos uruguaios. Não pretendo discorrer de modo amplo a respeito de seu testemunho, mesmo porque, J. Vítor relata suas declarações num livro há pouco editado sob o título de "Confissões de um ex-Tortura dor". Por isso, considero aqui apenas oportuna a exposição de alguns aspectos fundamentais dos mecanismos do Poder no Uruguai que se depreendem de seus vários depoimentos. Posteriormente, Hugo reaparecerá como personagem diretamente relacionado com o plano do seqüestro de Lilian e Üniversindo.
Através de seus relatos, começou a descerrar-se o véu de múltiplas contingências que acompanharam o clima generalizado no Uruguai, dentro do qual o seqüestro foi uma entre muitíssimas ocorrências similares. Mais do que isso: fica comprovado, sem margem a qualquer dúvida, o íntimo relacionamento das políticas sul-americanas, suas formas de operar e suas ligações com os serviços de espionagem norte-americanos. Manifesta-se a totalidade de um quadro em que o emprego da tortura para obter informações e a eliminação dos contestadores -- na maioria das vezes considerados perigosos terroristas a serviço do comunismo internacional - constituem práticas habituais. O objetivo de tal política de contra-insurgência é a preservação de uma ordem que satisfaça aos interesses internacionais que se apoderaram e que exploram a riqueza e o trabalho autóctones.
Numa análise de tal sistema, os serviços chamados de "inteligência" constituem o escalão inferior, o estágio mais baixo de uma hierarquia cujos degraus mais altos são representados pêlos comandos, pelo Estado Maior, pelas Forças Armadas, pela Doutrina da Segurança Nacional, pelas Conferências de Exércitos, chegando ao Poder Centralizado c às abstrações do Estado Militar com caracteres nazi-fascistas. São eles os pilares que sustentam os sistemas económicos imperialistas multinacionais.
Em última análise, o imperialismo multinacional impõe sistemas de dependência económica que se caracterizam, em âmbito político, pela chamada "democracia relativa". Finalmente, a tecnocracia militar transfere todo o peso dessa filosofia aos ombros do povo. Por isso, nada mais são do que regimes antipovo -- quanto maior a segurança, menor o desenvolvimento. É o terrorismo do Estado.
O Estado produz, armazena e administra os estoques de terror; as polícias políticas assumem sua distribuição a varejo, num sórdido comércio em que, ironicamente, as vítimas financiam seus próprios algozes.
No caso do seqüestro, o terror uruguaio tomou a forma de uma operação que foi denominada "Zapato Roto". Para isso criou-se um comando militar cujo personagem de maior destaque, responsável direto. foi o Cel. Calixto de Armas, portador do codinome "Rojo Maiz", chefe do Departamento II do Estado Maior do Exército uruguaio, de quem dependia diretamente a Companhia de Contra-Informações. Esta, por sua vez, se subordinava ao Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, exercido, na época, pelo General Gregório (Goyo) Alvarez.
Em seguida, alinha-se o Maj. Carlos Alberto Rossel, de codinome "Gustavo", que foi chefe da Companhia em 1978. Era quem visitava constantemente Da. Lília, fazendo-lhe ameaças veladas, e quem conduziu o pretenso jornalista, enviado de Cícero Viana, para obter a assinatura da declaração em que a mãe de Lilian "dispensava" meus serviços profissionais.
O terceiro personagem da hierarquia era o Cap. Eduardo Ramos, "Raul", também comprometido com toda a operação. Era, em 1978, professor da Escola de Inteligência do Exército e chefe da Secção Técnica da Companhia de Contra-Informações. Foi o responsável direto pela confecção dos documentos falsos que os militares uruguaios forneceram â Polícia Federal brasileira.
O executante material do seqüestro, "Guillermo", foi o Cap. Eduardo Ferro. Juntamente com Seelig, praticou a tortura nos sequestrados, quando se acharam detidos no DOPS de Porto Alegre. É torturador nato, brutal e inescrupuloso. Exerceu as funções de chefe da Secção de Operações da Companhia nos anos de 78 e 79. Atualmente, integra o Departamento III do Serviço de Inteligência e Defesa - SID, é agente da Centrai Inteligence Agency -- CIA, juntamente com o Ten. Cel. José Escobal. Anteriormente à missão do seqüestro, Ferro coordenou na Argentina, com Gavazzo, o assassinato do ex-Senador e ex-Ministro Zelmar Michelini e do ex-Presidente da Câmara dos Deputados do Uruguai, Hector Gutierrez Ruíz.
"Rojo Bravo" era o codinome do Gen. Manuel Nunes, Chefe do Estado Maior do Exército em 1978. Atualmente é Ministro do Interior, assessorado pelo Cel. Calixto de Armas, Diretor Geral do Ministério.
Fez parte do quadro também o Maj. Walter Bassani, que integrava, em 1978, a Secção Exterior do Departamento II. Ao lado de Ferro, foi co-responsável por operações desenvolvidas contra uruguaios opositores do regime de Buenos Aires. Em seu currículo sombrio constam cenas de tortura, assassinatos, seqüestros, deportações ilegais e desaparecimentos de crianças e adultos.
Outro hóspede da Polícia gaúcha por ocasião do seqüestro foi a figura do Cap. Glauco Yannone, que atendia pela alcunha de "Javier" e ocupava o cargo de chefe da Secção Administrativa da Companhia, onde continua. É indivíduo frio e calculista, cuja persistência e pertinácia seriam consideradas virtudes se não as exercitasse em intermináveis atividades de tortura.
Dos três brasileiros que, por ocasião do seqüestro, foram a São Miguel, paradouro turístico situado a 16 quilómetros do Chuí, Garcia Rivas e seus companheiros reconheceram o Inspetor Pedalada - do tempo em que exercia suas atividades em outros campos . . . nos de futebol.
Desempenhando suas atividades como fotógrafo, Rivas declarou ter fotografado Lilian e Universindo, para que fossem preparados dois jogos de carteiras de identidade falsa, para eles e para as crianças. Fotografou também o passaporte que Universindo tinha com o nome de Luiz Piqueres de Miguel e, o que é sumamente importante, as armas que os sequestrados teriam introduzido no Uruguai -- eram da própria Companhia e foram remetidas logo ao Juizado de Instrução, a fim de servirem como prova de acusação.
Esclareceu que os comunicados 1.400 e 1.401, distribuídos à imprensa, haviam sido mandados preparar pelo Cap. Ferro, e que o apartamento de Da. Lília era continuamente vigiado de um veículo particular que ficava estacionado perto da casa. Além disso, o telefone da família submetia-se a controle desde a Delegacia Central de Polícia. Sempre que alguém viajava a Porto Alegre, a Polícia era avisada e próximo à chegada da Comissão da OAB, os militares sabiam da hora exata e do número do vôo.
A espionagem da Comissão, quando se hospedou no Vitória Plaza, era executada do salão vermelho - salão de recepção - do Palácio do Governo, sediado bem defronte ao hotel, no outro lado da praça Indepedéncia. Só isso já constituiria matéria para um escândalo internacional.
O sistema de espionagem era intenso e permanente, cobrindo tanto as atívidades que se desenvolviam em Montevídéu, quanto as de Porto Alegre. Para ca veio o braço direito do Cap. Ferro, o Sargento Miguel Rodrigues, acompanhado da telefonista da Companhia de Contra-Informações, Modesta Recova. Ambos pareciam ter sido escolhidos a dedo para as escusas atividades que exerciam: enquanto ele despertava asco, ela inspirava terror, pela absoluta feiúra. Não admira que fosse . . . telefonista do Exército!
Interrogado pelo SIJAU sobre quais os objetivos da presença de ambos no Brasil, Rivas respondeu:
- Não fiquei sabendo porque era secreto. Seguramente para infiltrar-se na casa do Dr. Ferri. Sei disso porque tirei uma foto para uma carteira de identidade justamente naquela época. Só agora relacionei as coisas porque falei com o Dr. Ferri e porque tinha visto como era feito o documento. Penso que vieram para ver os movimentos do Dr. Ferri. Eles têm a ideia que o Dr. Ferri é muito perigoso, perigoso para essas pessoas que realizaram o seqüestro. Lá se fala do Dr. Ferri com muito respeito e certo temor.
Hugo Rivas comprovou a existência de uma Escola de Inteligência anexa ao Departamento II, a cujos cursos comparecem oficiais estrangeiros, como era o caso da Guatemala, El Salvador e Costa Rica. Tais cursos eram orientados por manuais de operações anti-subversivas e compreendiam exercícios de interrogatório e aulas práticas de tortura.
A Companhia de Contra-Informações, situada na esquina das ruas Dante e República, foi a responsável pelo seqüestro de Helena Quinteros do interior da Embaixada da Venezuela em Montevidéu.
Hugo Walter Garcia Rivas havia prestado quatro anos de serviço no Exército uruguaio. Nos primeiros tempos, junto ao Comando Geral;
depois, por quase três anos, no Serviço de Contra-Informações. Era, ao mesmo tempo, fotógrafo e agente, sendo designado, pelo Código nP 49, como "Rojo 17". Durante esse tempo, participou de operações de espionagem em ruas, colégios e estádios esportivos, de vigilância e acompanhamento de pessoas suspeitas e, ainda, de sessões de tortura.
Da primeira vez, disse, teve um choque. Eram mais ou menos vinte pessoas que haviam sido detidas na rua e foram brutalmente seviciadas, ficando atiradas, durante horas, pelo chão, semimortas. A algumas ajudou a levantar.
Mais tarde auxiliava no preparo das vítimas que seriam encaminhadas à tortura no "tacho" ou "gancho". Humberto Pascaretta, operário da fábrica de papel Cicssa, a quem muitas vezes havia seguido, morreu em seus braços, após violentas sevícias.
Suas tarefas, no entanto, não o satisfaziam. Antes, começou a perceber que não tinha estrutura para conviver com a violência. Além disso, não costumava falar a sua mulher sobre o tipo de atividade que desempenhava. Começava a ter problemas de consciência.
Comentando a respeito das torturas, Kolecza as definiu como máquina para moer resistências. E explicou que, pela repetição dos processos, os corpos e as mentes dos prisioneiros se vão pouco a pouco dilacerando. Mas, em alguns casos, também o próprio torturador acaba sendo atingido. E isso não pode acontecer. O algoz não tem direito a nenhum momento de fraqueza. Nem mesmo de interceder por uma criança no Ano Internacional da Criança.
- Se usted es un flojo, es mejor írse - disseram-lhe.
Era uma profecia às avessas - desejavam que ele reagisse para não mostrar covardia e viesse a se tornar um verdadeiro torturador. Mas ele começou a pensar seriamente nela, sob outro aspecto.
Aí estava a diferença: o homem pensa; o verdadeiro covarde é sempre um desnaturado. E a reflexão sobre os próprios atos demonstra a vitalidade da consciência. E sua consciência acabou por definir a medida exata de sua capacidade de resistir. Primeiramente desertou das fileiras do Exército; logo depois fugiu de sua própria Pátria, preferindo a companhia de centenas de milhares de compatriotas seus a que chamavam de "subversivos" pela simples razão de lutarem por um ideal nobre -- pela própria dignidade humana.
Era preciso fugir do inferno. Como poderia -- pensava ele -- um oficial, como o Cap. Ferro, vangloriar-se de ter matado de um só golpe uma vítima que já estava prostrada pela tortura? Mesmo que embrutecesse seu espírito e que usufruísse da impunidade diante da própria consciência, mais tarde, sentia que deveria prestar contas a seu filho.
Aquele Uruguai que deveria ser sempre a pátria de Artigas estava nas mãos sangrentas dos Queirolo, dos Gavazzo, dos "Goyo" Alvarez, dos Ferro, dos Pranlt. Estava longe de ser a Suíça da América Latina. Era uma Uganda. Agora mandavam nele os majores, os capitães, os coronéis, os generais. Era um Estado Militar ou um Acampamento Militar? Ou era, como se inclinava a crer, um enorme Campo de Concentração? Rivas não sabia bem. A convivência com o terror o deixara confuso. Mas sabia de alguma coisa. Sabia que não poderia continuar... que não poderia comprometer-se . . . que não estava mais na Pátria de Artigas . . . Pobre Pátria!
Fugir era preciso!
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